Diva e o Desemprego.

Acontece aos melhores mas não há nada que surja na vida por acaso. Quando uma Diva, de repente, percebe que está no mundo do desemprego só tem duas opções:

  1. Encarar a situação.      2. Agilizar os processos.

É uma sensação estranha, confesso. É sentir que não se tem nada para fazer, ao mesmo tempo que se tem tudo para organizar. Um futuro para pensar, um café para espairecer e descontrair e, mais uma vez, um futuro para pensar e um futuro para pensar… É uma espécie de loop que invade o nosso cérebro e nos abana da carola aos joanetes.

No meu percurso de trabalhadora ativa, aconteceu-me isto uma vez. Durou 3  longos meses. Foram duros, lembro-me, mas a minha casa andou um brinco esse trimestre. Até a roupa passava a ferro.

Alguns anos depois, o monstro da aparente inutilidade voltou a invadir-me o espírito. De forma mais elucidada mas, ainda assim, com o carimbo do desemprego no braço. Também na cara, especialmente na testa.

Contudo, como tudo tem um lado cómico, esta história não foge à regra.

Dias depois de ter percebido a minha mais recente condição, ainda não oficialmente desempregada, já estava à procura do Centro de Emprego da zona. “Rua do Conde Redondo”, dizia o site. Perto de casa e tal, lá fui eu pela primeira vez a um sítio destes. Rua acima, rua abaixo, nem sinais do oásis das formações e oportunidades profissionais.

Já cansada de procurar, resolvo perguntar a um senhor castiço que fumava uma cigarrilha e vestia um casaco digno do Coronel Tapioca:

_”Desculpe, sabe dizer-me onde fica o Centro de Emprego?”

_ “Ah, minha querida, agora só em Picoas, este já não existe. Aqui não dava nada.” – respondeu muito seguro e amigável.

“Aqui não dava nada” –  Incrível como de frases sábias o Mundo é feito.

Como não dava nada?? Mas é suposto dar o quê exatamente? Não percebi mas fiquei francamente intrigada com tamanha afirmação.

Baralhada, segui rumo a Picoas onde acabei por encontrar o belo do estabelecimento. Assim que entrei, sem carta de demissão ainda e apenas numa de perceber como as coisas funcionam, senti-me a croma que  fica na fila do Santini só para pedir um café. Contudo, consegui expor a minha situação ao segurança que, amavelmente, me facultou a senha para o balcão menos requisitado.

Já sentada frente ao senhor que me iria atender coloquei algumas das minhas mais pertinentes questões, enquanto ele se ria para dentro e me dizia: “Mais vale vir aqui quando tiver os papéis e tivermos os dados todos”.

Mas qual é o mal fazer perguntas, tentar esclarecer-me sobre os fantásticos projetos apoiados pelo Estado, mesmo não sabendo o valor do meu ordenado bruto? Que falta de eficiência e paciência. Estes funcionários públicos não merecem as horas semanais que trabalham.

Já depois de ter sido claramente a chacota do dia para o Rei do IEFP, decidi ir ao ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) apenas para confirmar alguns detalhes da minha saída empresarial. Cheguei ao local pretendido por volta das 15h na expetativa de ser atendida, visto que esta extrema autoridade encerra portas às 17h30. 

Assim que lá cheguei, pensei, bom… ou uma fábrica aqui em Entrecampos fechou hoje e despediu 100 pessoas de uma vez, ou isto está mais mais grave do que pensava.

Logo que passei pela porta das trevas, vi aquela coisa super tecnológica que distribui senhas já agarrada à parede com fita-cola, consequência dos maus tratos constantes, com uma nota que dizia: “Já não há senhas.”

Não muito surpreendida, dirigi-me ao poiso onde estava o segurança (mais um). Aparentemente angolano, assim para o gordinho, estilo Buda africano de sorriso aberto, disse-me:

_ “Boa tarde, diga-me menina.”

_ “Boa tarde, eu queria perceber como funcionam as senhas aqui… é preciso vir muito cedo?”

_ “É, sim senhora. Assim muito cedo mesmo.” – Disse-me franzindo a testa.

_ “Ok, muito cedo. Falamos de que horas?”

_ “Ui, muito cedo senhora. Por volta das 6h30.  Aqui temos 30 senhas de manhã e 30 senhas à tarde.”

_”6h30? Como assim 6h30?!”

_”É menina, hoje quando aqui cheguei já tinha já uma multidão à porta…”

_ “Mas esta coisa não abre às 9h?!” – Não chegou a ser um grito, mas quase…

Respirei, dei uma gargalhada nervosa, levei os meus óculos de sol à testa e, na tentativa de agilizar uma cunha, deitei o meu tronco de forma sensual no balcão do senhor, proferindo:

_ “E as senhas da tarde são entregues a que horas..?”- Terminando a frase com o meu melhor sorriso.

Apesar do meu charme gasto e cínico, percebi naquele momento que acabara de fazer uma pergunta absolutamente retórica. Naturalmente que são distribuídas também de manhã. Até o macaco Gervásio, que só recicla cenas, sabe esta merda.

Posto isto, dei um “adeus” caloroso ao meu novo amigo e disse-lhe que, para isso, teria que ir de direta. Só depois de uns copos é que estaria capaz de enfrentar esse desafio. Não estava de todo pronta para gerir tanta desinformação ao mesmo tempo, tantos números à minha frente, tanta depressão à minha volta, tantos seguranças para seduzir. Logo eu, que dou uma unha das grandes para estar na Guest.

A pé, já depois de quilómetros percorridos visto que o Centro de Emprego do Conde Redondo era logo ali ao pé de casa e não fazia sentido andar de Metro, sentei-me algures num degrau de uma porta da Av. 5 de Outubro. Ainda sem chapéu no chão para os trocos, acendi um cigarro e comecei a pensar em coisas inócuas como emigrar, desopilar,  ou talvez tomar uma caixa de Xanax. Mas não. Aguentei-me.

Assim que me ergui novamente, vejo na minha direção um senhor carregando dois sacos de compras daqueles bem pesadotes.

Como se o meu dia estivesse a correr bem, o caramelo resolve aproximar-se da minha pessoa e, de olhos marotos, pergunta-me:

_” Linda, não me queres ajudar a levar um saco?”

_” Não fofo, estou cansada.”

Oh se estava…

Dois dias depois, e só porque sou boa pessoa, recebi uma proposta de emprego.

Obrigada Universo.

Love,

D.

 

One Comment Add yours

  1. Catarina Coelho says:

    Um dia realmente em cheio! Muito bom!
    Eu ao fim de várias vezes me mostrar interessada as formações que o estado oferece a quem quer estar activo no mundo do trabalho ou das formações e não haver nada definido por ainda não ter saído o tão esperado OE, quando finalmente o Orçamento de Estado é aprovado apresentam-me as 2 propostas mais hilariantes que recebi até hoje…. ” olhe temos já este curso de formação : modista/costura ou então este: mecânico de automóveis ” tive quase para ir….. Mas entretanto descobri outras formações com as quais me identifico mais , que me serão com certeza mais úteis , mas que paguei do meu fantástico fundo de desemprego!!!

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