Diva regressa ao volante.

Foram dois anos sem ir à escola de condução. Hoje voltei a ter uma aula ao volante.

À hora marcada fui ao lugar habitual onde estacionam os carros para os debutantes mas obviamente que percebi a tempo que estava no sítio errado. Aquelas ruas são todas iguais e, mesmo quando não são, geolocalização nunca foi o meu forte.

Dez minutos depois da hora lá vi o Hélder, o instrutor que a vida me deu. 

Cerca de 60 anos, careca, mal encarado e muito pouco simpático, tornou-se numa das minhas pessoas favoritas. Não fala muito porque não tem paciência para conversas, diz o essencial sempre com um tom muito negativo e está sempre a cantarolar sozinho enquanto vê fotos dos netos no telemóvel. Ainda não percebi se canta para me distrair ou para me relaxar. Não acontece nem uma, nem outra coisa mas não me importo. Só quero que o Hélder seja feliz.

Entrei no carro, disse aquele “Olá” tímido, digno de quem chega atrasada e mais uma vez baralhada.  

Estava tão nervosa que, assim que me sentei, fui com a mão ao lado direito buscar o cinto mas disfarcei. Claro que ele me topou, já me tirou a pinta toda há que tempos.

Enquanto ele faz aquele briefing básico sobre travão de mão e as mudanças para iniciar, com as quais eu nunca atino, vou ajeitando os espelhos e o banco. Já lhe disse mil vezes que não gosto de sentir as pernas a bater no volante, que sou comprida e esbelta, mas ele diz que sou é preguiçosa e que se não estiver mais para a frente, nunca vou conseguir manter o calcanhar a levitar antes da embreagem. Eu gosto de estar à vontade, ele não deixa, quer ver-me presa. Também diz que sou bruta, nada que nunca me tenham dito antes mas vindo sua boca, custa-me um pouco digerir.

Perguntou-me se ainda sabia onde era o pisca. Apontei para um, do lado esquerdo – para virar para o lado esquerdo – e para o outro, do lado direito  – para virar à direita.

“O do lado direito é o limpa brisas” – disse ele.

Não seja por isso Hélder, quando virar à direita aproveito e dou um toque no vidro, hoje está muita poeira no ar, vamos precisar. 

Em nervos prosseguimos numa belíssima marcha atrás, para sair do lugar e virar à direita, que eu já não sabia como fazer e, em 5 segundos, lá vieram as suas mãozinhas direitas ao voltante. Ao que parece ia passando um vermelho. Boatos. Estava focada na ausência de carros atrás de mim, é muita informação para uma pessoa só.

“Ainda agora começámos, miúda” –  disse ele, sarcástico.

Numa reta sempre em frente estive em quarta mil vezes, quando a ideia era estar em segunda e andei sempre com o pé na embreagem com ele ao meu lado a questionar-se “Mas porquê esse pé aí???”. Não sei responder, ele vai e simplesmente abanca lá. E juro que tento perceber o papel deste pedal e até hoje não entendo. Não devia ser só andar, parar e ver-me no retrovisor? Não, vamos arranjar aqui um pedal para complementar a dificuldade que já é andar com um carro, ver sinais, pessoas, cidades em chamas, tudo enquanto conduzo. Obrigada.

Posto isto foram 45 minutos muito simpáticos. Fui quase contra um pilarete (mais um socorro ao volante pelo salvador Hélder) não vi dois peões que se atravessaram na passadeira sem a mínima noção do perigo que represento, aos quais chamei de “estas cromas!” – ele riu-se porque é mauzinho como eu, claro.

Fiz uma curva que ele disse nunca ter visto nada assim (de tão pouco curva que foi, obviamente) e estacionei a viatura. Aliás, na verdade não estacionei, coloquei em segunda fila porque ele percebeu que eu não ia conseguir lidar com mais um desafio hoje.

“Bom regresso este meu hein, Hélder? – disse eu.

“O importante é regressares”. – disse ele, tentando ser amável.

Há um lado dele que gosta de mim, eu sei.

Boas aulas,

Love,

D.

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