Diva vai ao Bus

Para quem não sabe, o BUS é uma espécie de associação que funciona enquanto bar, espaço cultural que integra aulas de dança, recitais de poesia, entre outras coisas interessantes que não aprofundei porque normalmente vou lá só beber um copo.

Quem vive e respira Los Anjos sabe de que estilo falo. Espaços amplos mas com pé direito assim para o curto, onde não há uma cadeira que combine com a outra e os sofás são trazidos de casa de alguém que terá falecido há algum tempo. Não há propriamente muito pudor com os interiores, nem com a extração de fumo, mas o que queremos mesmo é beber e fumar ao mesmo tempo, sem ter que ir para a rua como uns cães abandonados em pleno inverno.

Esta sexta-feira fui lá parar com um amigo. Estava uma fila jeitosa mas nós, como bons moradores da freguesia, já somos sócios e apenas com 1€ para apoiar a banda, passámos à frente de toda a gente.

Assim que entrámos olhei para o palco improvisado, onde um trio bastante sui generis atuava. Um baixo, uma guitarra  e um vocalista que carregava dois abanicos parecidos com aqueles que usamos para fazer vibrar os pimentos no grelhador mas que ecoavam um som interessante, ligeiramente xamânico. Estavam sentados sobre um tapete IKEA de 2004, de 59,90€, onde se deitavam todos os fios provenientes dos instrumentos, entrelaçados nos seis pés, seus respetivos copos de whiskey, um casaco que alguém por lá deixara antes, envoltos numa densa nuvem de fumo que lhes conferia algum mistério.

Fiquei imediatamente obcecada pelo vocalista. Homem aparentemente alto, dado que estava sentado não deu para perceber bem, que em vez de cantar sussurrava umas frases à lá Jim Morrison, na tentativa de transmitir aquela energia taciturna tão digna dos anos 60 que eu tanto gosto. Carregava uma cabeleira loira repleta de estreitos caracóis, impecavelmente construídos que lhe caiam pelos ombros ainda com volume. Olhem que eu sei, um bom caracol dá muito trabalho, este senhor cuida-se, podem crer. No meio da sua atuação fechava os olhos entre os ditos sussurros e, de quando em vez, trazia do tapete um abanico, ou dois, que lançava de trás para a frente lateralmente aos seus ouvidos, em jeito de ritual de palco. 

Não era só eu que estava doida perante esta elegância alternativa. Estavam também três meninas, bem novas, sentadas frente ao “palco” todas sem soutien (também, para quê?) de cabelo apanhado assim modo blasé, a enrolarem cigarros atrás de cigarros, numa tentativa de nos matarem lentamente com o smog que crescia minuto a minuto.  Em perfeita sintonia vibravam as três, movimentando as suas cabeças inclinadas para o teto, e de forma circular, demonstrando-me que eu se calhar também devia ir ver concertos para sentir a cena e não para estar a mamar jolas e a gozar com toda a gente. Enfim, cada um é para o que nasce e estas aparentes estudantes de ourivesaria da António Arroio ainda têm muitos anos pela frente, até chegarem à minha idade vão mudar estilo cinco vezes, vou dar-lhes tempo.

A música tinha momentos altos, a banda era digna (era mesmo) e nós estávamos sentados em cima de uma escrivaninha mesmo ao lado do trio. Já cansada de apreciar os músicos do momento, começo a dar uma vista de olhos pelo público. 

Uma bifa doidona, alta, gira, sozinha e de jola na mão, surgia com uma dança de ancas para lá de sexy, completamente alheia aos olhares dos presentes, estando ela em pé, cheia de atitude, centrada entre todas as cadeiras ocupadas por pseudo alternativos da zona. Fiquei logo sua fã, claro. 

Parecia estar sozinha mas eis que, às tantas, aparece o seu namorado, francamente muito abaixo do seu carisma, com aquele ar de quem carrega uma mochila a transbordar de muita vergonha alheia, e claramente muito machismo. Vinha focado e de telemóvel na mão, provavelmente já a chamar um Uber para expulsar a Brigite Bardot dos Anjos do palco, e o mais rapidamente  possível. Triste masculinidade esta, pensei. Deixa a mulher brilhar, seu syco!

Concerto terminado, já muito satisfeita de tanto me rir, percebo que tenho um fã de cabelo ondulado grisalho, encostado ao bar e a fazer-me olhinhos. Estava na hora de partir, percebi. O maduro mandava-se para uns 47 anos e eu não me mando para tão alto, sei que não tenho conversa para tanto. Estava ao lado de um senhor que parecia a Yoko Ono, se esta tivesse nascido homem, e portanto o melhor era deixá-los conversar sobre a última exposição no Moma ou sobre a vida do Miles Davis.

O meu amigo virou-se para e mim e disse que, depois de todo este ambiente, o que devíamos era ir vender cachorros vegetarianos para o Sri Lanka.

Se calhar éramos mais felizes.

Fica a ideia.

D.

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