Diva e a Amiga Colega

Hoje tenho uma amiga que primeiro foi colega de trabalho. Mal a conheci percebi que fumava e, com um propósito oportunista, apreciei o potencial de companhia para as pausas. Era alta como eu e tinha uma mancha no lábio, tal como a minha, e no mesmo sítio. Curioso, pensei.

Depois senti que, no meio de alguma timidez, existia uma vontade sua de transformar as pequenas oportunidades em piadas. O ar com ela era leve, como procuro sempre em quem me rodeia. Fiquei atenta.

Um dia fomos almoçar para testar se esta relação que os colegas criam à “hora de almoço” podia resultar entre nós, e ela, por azar, não foi bem atendida. Sentiu-se desrespeitada, com razão, porque serviram a esplanada quase toda antes de si, e nem umas azeitonas lhe deixaram para forrar o estômago. Sem muitas demoras, deu o último golo da sua imperial, um par de berros (educados) ao empregado negligente e partiu de óculos de sol postos, deixando para trás um grupo de seguidores famintos que não tiveram a sua audácia. E foi assim que percebi que esta espécie de Diva da restauração podia ser minha amiga.

Mais tarde, contou-me que o seu pai era chef de cozinha e que, desde miúda, foi habituada a fazer avaliações criteriosas aos locais onde vai comer. No fundo, tornou-se mais exigente. Também é por esta influência que verbaliza termos com sauté para designar o que para mim é uma simples frigideira, e traz souflé de pescada para o almoço, dentro de um tupperware, mas com muito requinte. Ela gosta de comer e insiste amavelmente em partilhar comigo as melhores iguarias que traz, desde a lasanha feita pela avó, ao risoto incrível de cogumelos de autoria do pai. (a quem aproveito para agradecer). Eu trago duas vezes por semana salsichas de aves muito mal amanhadas com legumes e, portanto, valorizo uma refeição digna e sofisticada. Sabendo disso, ela alimenta-me com amizade.

Aos poucos, fui vendo também que tem um sentido apurado de estética, que gostamos das mesmas cores, tendências de trapos e que tem paciência para me acompanhar durante dias infinitos na procura de um casaco de inverno, como o último que só consegui comprar à vigésima vez em que fomos às Amoreiras. E na primeira loja onde entrámos 20 dias antes. Nada me ficava bem, ela compreendeu isso sem ansiedades.

Mais importante do que tudo, gostamos de contar histórias de Amor. Nossas, de amigos, sempre sem maldade, só mesmo pela partilha de novelas inspiradoras, e sem nomes. Nem interessam.

Apesar de ouvir músicas foleiras nos seus phones, que de vez em quando não resiste em cantarolar a meio do trabalho incriminando-se sem pudor, percebi que ela é muito mais do que a Rihanna que ouve.

Temos vindo a concluir, com alguma frustração, que a música não é de todo o nosso elo mais forte. Mas não tem mal. Ela ouve hip-hop, incluindo o tuga, o que eu acho quase inacreditável. Eu, no seu ponto de vista, gosto de música de hipsters. Não é inteiramente verdade mas compreendo que, perto do Valete, somos todos alternativos. Mesmo assim, ouço os hits que partilha comigo para lhe dar uma chance. E ela ouve os meus para me fazer a vontade.

A verdade é que, às tantas, com o passar do tempo, já podia gozar com ela e ela comigo. Já partilhávamos intimidades, segredos e até algumas lágrimas.

Podia ser uma história qualquer, sobre uma qualquer colega de trabalho que se transformou em amiga, está certo.

Mas esta é sobre a minha e eu gosto muito dela.

Love.
D.

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