Diva e o Cabeção

Hoje, no multibanco do Pingo Doce, a única caixa realmente perto de casa, a “estreia” de um filme já muito visto:

 “A pessoa séria que se cola ao multibanco para pagar contas, antes das 10h”.

Assim que chego à caixa automática, mais que lançada e de cartão na mão, vejo uma senhora de cabelo armado, com aquele digníssimo 4.5 a puxar para o cajú, já à frente da máquina e a sacar da sua pasta preta, de polipele refira-se, uma conta da EPAL.

“Calma, é cedo, ela só vai pagar uma conta, será breve, não te enerves” – Comentou o meu ser interior. Efetivamente estava com muita pressa e, já se sabe, tudo me irrita de manhã.

Cada vez mais colada à senhora, quase a respirar para o seu ouvido para que percebesse que não estava sozinha a brincar aos pagamentos, aguardei ansiosamente que terminasse de efetuar a sua operação. Enquanto isso, a minha visão captava cada gesto seu, cada movimento que fazia no ecrã, cada mudança sua quanto à posição de pernas. Na verdade, dei-me ao trabalho de captar a entidade e a referência que digitou, sendo que quase a ajudei na fase posterior de confirmação dos números. Estava seriamente a exercer pressão sobre aquele pobre ser. Talvez estivesse um pouco fora de mim, confesso.

Depois da sua missão concluída, água paga e banhos garantidos para um cabelo sempre sedoso, vejo o cartão desta grande querida a ser cuspido da máquina. Esfregando as mãos, dei um passinho à frente para agilizar o processo. Qual o meu espanto quando percebo que… acabara de ser enganada.

Falso alarme.

O Cabeção cajú voltou à carga e começou a enfiar o cartão, outra vez, cheia de ganas.

As suas mãos, apressadas mas repletas de subtileza, regressaram à digníssima pasta dos documentos, de onde saiu…

Uma conta da EDP.

A elegantíssima desconhecida, que em segundos já conseguia tirar o pior de mim, abanou a cabeça assim que percebeu o balúrdio que se escondia naquele envelope. Sacudiu a folha e percebia-se que dizia para si mesma: “Ai estes cabrões, outra vez” (desculpem a linguagem). Respirou fundo, ajustou os óculos e continuou o seu processo de boa pagadora.

Apesar de solidária com esta causa, especialmente nesta época em que deixo de comer para pagar os gastos do aquecedor, e de todos os meses me ocorrer barricar-me na EDP mais próxima, não conseguia evitar a raiva crescente em mim.

O Cabeção, por sua vez, continuava calmamente a digitar no teclado, como quem tem tempo de sobra,  completamente alheia à fila que criava atrás de si. Já parecia a dos bilhetes para o Boom Festival mas sem charros e cerveja. Ou seja, um processo de espera um pouco mais chato.

Já completamente exaurida, a morder-me e de queixo praticamente no seu ombro, resolvi começar a marchar no mesmo sítio. Não sei se conhecem esta técnica mas é muito eficaz. Precisam apenas de umas botas singelas, capazes de produzir um clássico som de andar senhoril. Acreditem, não há quem fique indiferente a tamanha sensação de irritação. Marchei, marchei, até que a croma se mancou.

Um pouco envergonhada, lá expulsou o cartão da máquina, virou-se, olhou-me timidamente nos olhos e proferiu baixinho:

– “Obrigada”.

– “Nem lhe vou responder.” – Disse eu, indignada, com cara de quem não passa um paninho nestas atitudes.

 

Bom dia Gente Cívica!

Love,

D.

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